A vingança privada constituiu o principal instrumento de composição de conflitos dos povos antigos. Antes de existir um
Estado organizado, com o monopólio da jurisdição, o poder punitivo se
encontrava difundido entre os particulares, que exerciam a justiça com as
próprias mãos. Não havia um poder que centralizasse o direito/dever de punir.
O ofensor não era o único ser punido. Sua
família, seus amigos, outros membros de seu clã, enfim, todas as pessoas de seu
círculo de convivência poderiam acabar sendo alvo da vingança privada. Dessa
forma, uma desavença pessoal poderia acabar se tornando uma verdadeira guerra
tribal. Não havia limites para a vingança privada. Em um segundo momento, a vingança privada
passou a atingir apenas o infrator, na proporção da conduta por ele perpetrada.
O individuo que furtava, por exemplo, poderia ter suas mãos decepadas. A pena
para o assassinato era a morte. Em virtude disso, diz-se que o Direito Penal da
época se caracterizava pelo bordão "olho por olho, dente por dente".
Não é sequer necessário dizer que essa espécie
de punição foi sendo gradualmente abolida em virtude dos gravames que
provocava, como a redução da população adulta (o que era péssimo em regiões
suscetíveis a guerras) e o aumento de pessoas com alguma deficiência física.
Com o surgimento do Estado, a situação mudou. O
Estado centralizou o poder de punir, retirando-o das mãos da população. Em
compensação, obrigou-se a fornecer segurança ao povo e a punir os que
infringissem a lei, acabando com a antiga vingança privada.
Assim, o homem trocou o direito de se vingar
pessoalmente pelo direito de ação. Odireito de ação pode ser definido como o direito
subjetivo público do individuo de exigir do Estado a prestação jurisdicional. Jurisdição essa que pode ser conceituada como a
solução definitiva de conflitos de interesses mediante a aplicação da lei ao
caso concreto.
O exercício do direito de ação, que implica na
prestação jurisdicional do Estado, se dá através do processo, que é o
instrumento moderno de resolução de conflitos de interesses.
O direito de ação penal, de acordo com a obra do
mestre Cezar Roberto Bittencourt, "consiste na faculdade de exigir a
intervenção do poder jurisdicional para que se investigue a procedência da
pretensão punitiva do Estado-Administração, nos casos concretos".
Ex O primeiro binômio que pode ser apontado tem
relação com o poder de punir do Estado. De fato, o Estado é o responsável por
processar e punir aqueles que atentam contra sua ordem. Todavia, tal poder não
constitui um mero direito de punir. Trata-se de um poder dever! Inclusive, essa
é a base do contrato social, filosoficamente um dos pilares do Estado moderno.
Ao passo que o cidadão transfere ao Estado o poder de punir, esse se obriga a
resolver os conflitos de interesses. Logo, trata-se de uma obrigação, de um
poder dever de punir do Estado. existem dois importantes binômios que gravitam
em torno da idéia de ação penal.
O segundo binômio que pode ser observado existe
entre o direito/dever do Estado de punir o cidadão e os direitos assegurados
pela lei ao mesmo cidadão. Para garantir o equilíbrio entre esses interesses
conflitantes é que existe o devido processo legal, consagrado no art. 5°, LIV
da Constituição Brasileira, e esculpido no ordenamento jurídico da maioria dos países
democráticos modernos.
O procedimento criminal brasileiro é dividido em
duas fases. Uma primeira, administrativa, conhecida como inquérito policial A
ação penal, que será objeto do presente estudo, constitui a segunda fase, que
se desenvolve apenas em juízo. É dividida em duas espécies: ação penal pública
e ação penal privada. Ao conjunto das duas fases dá-se o nome de persecução
penal.
A ação penal pública se inicia através de uma
denúncia. Da mesma forma que uma ação cível se inicia através de uma petição
inicial, a ação penal pública tem seu início através de uma denúncia.
A denúncia é uma peça processual que contém a
narração do fato criminoso, a qualificação do acusado, a classificação do crime
e o rol de testemunhas. Tais requisitos são essenciais para que o acusado possa
exercer seus direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório. A
falta da narração do fato criminoso, por exemplo, acarreta a inépcia da
denúncia.
O titular da ação penal pública é o Ministério
Público. O MP é o órgão estatal que busca materializar a pretensão punitiva do
Estado. Para tanto, acompanha o processo desde a peça inicial até o seu termo,
em todas as instâncias. Além disso, mais que um simples veículo de acusação, o
Ministério Público é um órgão que zela pela observância da lei durante todas as
etapas do processo.
O MP, no que tange à ação penal pública, é
regido por alguns princípios. Peloprincípio da obrigatoriedade, tem-se que,
existindo nos autos elementos que indiquem a ocorrência de um fato típico e
ilícito, o parquet deve mover a ação penal pública. Não
existe discricionariedade nessa decisão.
Ressalte-se que, se o MP não ficar convencido
da materialidade do crime, ou entender que não existem indícios suficientes de
autoria, não existe a obrigação de denunciar. Podem ser requeridas, por
exemplo, diligências complementares à autoridade policial, que visam formar o
convencimento do parquet acerca da utilidade e necessidade de
instauração de uma ação penal.
Caso o Ministério Público conclua de forma
definitiva pela ausência dos requisitos mencionados acima, tal órgão requererá
o arquivamento do inquérito policial. Se o juiz não concordar com o
arquivamento, ele não poderá iniciar a ação penal pública, visto que não possui
a titularidade da mesma. Logo, havendo discordância, o magistrado oficia e
remete os autos ao chefe da Instituição. Caso esse último também entenda pelo
arquivamento, o inquérito policial será arquivado.
Uma vez proposta a ação, o MP não pode dela
desistir. Trata-se do princípio
daindesistibilidade. Se ao longo da instrução criminal o parquet, através de seus
representantes, entender pela inocência do acusado, por exemplo, poderá pedir a
sua absolvição, mas nunca desistir da ação. O pedido do MP, contudo, não
vincula o juiz, que ainda assim poderá condenar o acusado.
Na ação penal pública incondicionada o
Ministério Público não necessita de qualquer autorização ou manifestação de
vontade, de quem quer que seja, para que a ação seja iniciada. Caracterizado em
tese o crime, o MP já é livre para propor a ação penal.
Assim, o fato da vítima porventura perdoar o seu
ofensor é irrelevante. O MP prosseguirá com a ação penal à revelia de seu
interesse.
A ação penal pública incondicionada é a regra
dentro da sistemática penal brasileira. Caso a norma silencie acerca da espécie
de ação penal cabível para o delito, a ação será sempre pública incondicionada.
As demais espécies de ação, pública ou privada, são exceções, devendo,
portanto, vir sempre expressas na lei.
Ressalte-se que essa regra vem sendo atenuada
na prática dos Juizados Especiais Criminais. Alguns juízes entendem que,
havendo o perdão do ofendido, delitos de menor potencial ofensivo, como a
violação de domicílio por exemplo, poderão ser arquivados, apesar de serem
processados através de ação penal pública incondicionada. Essa prática se
baseia no princípio da pacificação social, ainda pouco explorado na doutrina,
mas que se encaixa no propósito de Justiça Consensual dos Juizados Especiais
Criminais.
Existem situações em que o Estado entende que
os efeitos do delito são mais gravosos para o ofendido do que para a ordem
social como um todo. Em tais situações, o Ministério Público continuará sendo o
titular da ação penal. Todavia, para que tal ação seja iniciada, exige-se uma
condição de procedibilidade, sem a qual a demanda não poderá ser instaurada: a representação.
A representação é uma manifestação de vontade do
ofendido, em que o mesmo demonstra seu interesse em ver processado o seu
ofensor. Tal manifestação de vontade pode se dar por petição ou de forma oral,
caso em que a mesma é reduzida a termo.
A representação é ato que admite retratação.
Contudo, tal retratação só pode ocorrer até que haja o oferecimento da
denúncia. Oferecida a denúncia, o Ministério Público promoverá a ação penal até
o seu termo, independente da vontade da vítima, mesmo que essa venha a se
arrepender posteriormente.
A possibilidade de representação está submetida
a um limite temporal. O ofendido possuí um prazo de 6 (seis) meses para
representar em face de seu ofensor. A natureza de tal prazo é decadencial,
sendo que após seu esgotamento extingue-se a possibilidade de representação.
Há uma outra hipótese de ação penal pública condicionada
dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se da requisição do Ministro da Justiça,
prevista para casos excepcionais, como os crimes praticados contra a honra do
presidente e os crimes praticados por estrangeiros contra brasileiros fora do
Brasil.
A requisição do Ministro da Justiça constitui
um verdadeiro juízo político. Analisando a ordem social, nacional e
internacional, a gravidade do delito e o peso das conseqüências da ação penal,
o Ministro decide ou não fazer a requisição. Ressalte-se que, por se tratar de
um juízo político e, portanto, mutável de acordo com a conjuntura e os anseios
sociais, não há prazo decadencial para que seja feita a requisição.
Vale lembrar que sempre que um crime se procede
mediante ação penal pública condicionada haverá expressa menção a isso no texto
legal.
O titular da ação penal privada é o próprio
particular ofendido. Está prevista para os casos em que o interesse do
particular em relação ao delito supera o interesse estatal. São basicamente
duas situações em que isso acontece: o bem jurídico ofendido tem cunho
essencialmente particular (ex: crimes contra a honra); ou as conseqüências de
uma instrução criminal podem ser tão danosas para a vítima que a mesma prefere
deixar de processar o ofensor (ex: estupro).
A ação penal privada se inicia mediante queixa.
A queixa está para a ação penal privada assim como a denúncia está para a ação
penal pública. Assim, a queixa não se confunde com a notícia crime realizada na polícia, popularmente e
equivocadamente conhecida como "queixa".
O prazo para a que seja proposta a queixa é de
6 (seis) meses, sendo tal prazo decadencial.O próprio ofendido, e não o
Ministério Público, é quem será parte no processo, cumprindo todas as
diligências ordenadas pelo juiz. Para tanto, é necessário que a parte esteja
representada por advogado.
Ao contrário do que ocorre na ação penal
pública, o particular pode renunciar ao direito de queixa. Essa renúncia ocorre
antes de ser promovida a ação privada. Se, ao longo do desenrolar da instrução
criminal, o particular perder o interesse em processar o ofensor, poderá se
utilizar do instituto do perdão judicial, de forma que a ação não virá a ter
uma sentença de mérito.
Faz-se uma diferença entre ação penal de
exclusiva iniciativa privada e ação penal privada subsidiária da pública. O
primeiro caso inclui, por exemplo, os crimes contra a honra e os crimes contra
os costumes, em que a lei prevê expressamente que a ação penal será privada.
O segundo caso, no entanto, constitui uma
situação excepcional, que se verifica a partir da inércia do Ministério
Público. Escoado o prazo para oferecimento de denúncia, para réu preso ou
solto, sem qualquer atividade ministerial, haverá a possibilidade do próprio
ofendido propor a ação penal em hipóteses em que a ação penal seria a princípio
pública. Daí falar-se em ação penal privada subsidiária da pública.
Ressalte-se que a ação penal não perde sua
natureza de pública em virtude da substituição. O querelante não poderá dispor
da mesma, através da renúncia ou do perdão. A perempção também não poderá ser
verificada, ao contrário do que ocorre na ação penal privada de iniciativa
exclusiva da vítima.
A inércia se verifica apenas quando, aberta a
vista para o MP, o mesmo não denuncia, não requer diligências e nem pede o
arquivamento do feito. Assim, o pedido de arquivamento do inquérito policial,
por falta de indícios de autoria ou prova da materialidade do crime, não
configura a inércia, não sendo possível a ação penal privada subsidiária da
pública.
O artigo 29 do CPP dispõe que, iniciada a ação
penal privada subsidiária da pública, o parquet poderá aditar a queixa, repudiá-la,
oferecer denúncia substitutiva, intervir no processo, retomar a ação como parte
principal, etc.
Por fim, a doutrina usualmente classificava dois
delitos do Código Penal como sendo de ação penal privada personalíssima.
Entretanto, após a revogação do crime de adultério, tem-se que apenas o delito
de induzimento a erro essencial, previsto no artigo 236 do CP, é considerado de
ação penal privada personalíssima. A doutrina entende que tal delito é de ação
penal personalíssima em virtude da impossibilidade sucessória no pólo ativo da
lide.
Fonte de consulta:
Jurisway – Entenda a ação penal.
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